22/08/2010
FESTA DE NOSSA SENHORA DOS MOTOQUEIROS EM PORCARO NA FRANÇA, ATRAI 10 MIL MOTOQUEIROS
Os moradores da Bretanha, na margem chuvosa da França, amam tanto a igreja quanto adoram uma festa. Um gosto que talvez faça dessa pequena aldeia um local menos impossível para o evento totalmente improvável que sedia todos os anos.
A festa de Nossa Senhora dos Motoqueiros, que os organizadores promovem como a maior “peregrinação” em motos da França – há poucos aspirantes ao título – atraiu cerca de 10 mil motoqueiros de toda a Europa aos campos de trigo encharcados de Porcaro, cidade com 650 moradores. Foi uma mistura incomum daquilo que os católicos bretões chamam de “sagrado e profano”: muitos vieram para rezar, muitos para festejar – um número surpreendente para ambos.
Padre Jean-François Audrain (E) benze motos na festa de Nossa Senhora dos Motoqueiros, em Porcaro, na Bretanha.
“Ninguém deve sair daqui sem ter conseguido o que realmente queria”,comentou o reverendo Jean-Francois Audrain, presidindo uma missa dominical ao ar livre em suas vestes drapeadas em branco e dourado. Ele falou a uma multidão de milhares de motoqueiros e fiéis locais, reunidos em um campo atrás da igreja de pedra do século 19. Mais tarde, ele e outros quarto sacerdotes jogaram água benta em milhares de Harleys, Hondas, Ducatis e Kawasakis, que desfilavam lado a lado.
A festa, que acontece anualmente por ocasião da Assunção, ritual católico que celebra a ascensão da Virgem Maria ao céu, é um encontro religioso aberto a todos, segundo os organizadores, e uma oportunidade para a igreja penetrar no rebanho dos motoqueiros. O programa incluiu duas missas, a bênção das motos, a “peregrinação” por campos e florestas escuras da Bretanha central, além de vários shows de rock e um grande suprimento de cerveja e vinho.
FESTIVAL
Iniciada em 1979 por um abade local como uma peregrinação para si mesmo e outros 37 amigos, o evento desde então tem crescido e se tornou um festival – neste ano os shows, realizados em um campo fora da cidade, duraram até 4h de domingo – que é visto por muitos como um dos principais eventos culturais da França.
Ao contrário de Lourdes e outros locais de peregrinação mais conhecidos na França, Porcaro atrai um grande contingente de não-fiéis, um fenômeno talvez mais surpreendente dada à desconfiança generalizada da religião organizada na França, onde a separação entre Igreja e Estado é uma prática quase religiosa de secularismo. Na Bretanha, no entanto, tem desfrutado de uma relação menos ressaltada de rejeição ao cristianismo do que o resto da França: o catolicismo é visto por muitos aqui simplesmente como parte do tecido social da região.
“Eu não sou muito atuante na igreja”, contou um motoqueiro chamado Snake, que não quis informar seu nome completo, explicando que todo mundo o conhece “assim mesmo”. No ano passado, ele tentou fazer com que sua moto fosse abençoada, mas o padre rejeitou o pedido por causa do adesivo “666” (com suas implicações satanistas) colado no tanque.
Outros garantem terem vindo a Porcaro em busca de uma experiência espiritual. Letartre Pascal, 60 anos, veio de Chartres “para rezar pelos colegas motoqueiros que morreram”. Este foi o segundo ano em que ele e a mulher Bernadette foram a Porcaro. No ano passado eles vieram, mas “foi para beber!”, explicou Bernadette com uma risada.
CAPITAL DOS MOTOQUEIROS
Porcaro passou a se definir como festival – a cidade se intitula “a capital francesa dos motoqueiros” – e os moradores dizem gostar das pessoas que atraem. O encontro é financiado em grande parte pela venda de souvenires supervisionada por uma associação local composta quase exclusivamente por voluntários da vila e das comunidades vizinhas. Muitas casas permitem que os motoqueiros armem barracas em seus gramados durante o festival.
Segundo o prefeito de Porcaro, Pierre Hamery, o evento de dois dias injeta cerca de US$ 500 mil na economia local por ano. Na semana passada, grande parte desse montante parecia ser absorvido por dois bares, os únicos estabelecimentos comerciais de Porcaro.
Havia padres, incenso, água benta e muita solenidade e oração, mas também AC/DC e couro cravejado, piercings e tatuagens e, começando bem antes do meio-dia e durando até de madrugada, o consumo de enormes quantidades de álcool.
Evento atraiu cerca de 10 mil motoqueiros de toda a Europa aos campos de trigo encharcados de Porcaro.
“A Nossa Senhora traz o lucro de todo o ano”, disse Marine Perrichot, 18 anos, cuja mãe é proprietária do bar Le Wheeling. Este ano, o bar ficou aberto a noite toda de sábado e também no domingo. “Não há muitos problemas”, contou Marine, ao lembrar e rir de um homem que pilotou sua moto dentro do bar anos atrás. “Nós não podemos reclamar. São todos adoráveis”, avaliou.
Apesar de toda a festa, o evento em Porcaro permanece como religioso, com apoio da Igreja Católica.
“A coisa essencial para mim, como padre, é mostrar à comunidade que Deus está perto dela”, explicou Audrain, que pilota uma BMW F 800 ST, e ajudou a coordenar a festa em 2007. “Meu trabalho, em primeiro lugar, é mostrar que Deus é legal e fazer o possível para mostrar a Igreja de um bom ângulo. É complicado”, observou.
HEDONISMO
O catolicismo adotado pelos bretões se adapta bem aos motoqueiros, acredita Audrain. Segundo ele, com base nas tradições dos celtas hedonistas que habitaram a região, o catolicismo bretão afirma que toda atividade humana, com exceção do pecado, está a serviço de Deus.
“A vida noturna não me incomoda”, confessou Audrain, que é magro, atlético e nada abstêmio. Ainda assim, ele reconhece que por mais que a festa atraia motoqueiros descrentes à região, ela também mantém um número razoável longe da missa na manhã de domingo. “Poucos aparecem, já que para isso teriam de ficar sóbrios na noite anterior”, disse.
Enquanto Audrain realizava a missa na manhã de domingo, Lenaick Flamant correu em direção a uma barraca de café nas proximidades.
“Foi difícil esta manhã”, admitiu Lenaick, de 47 anos, vestida com couro preto. Ela tinha ido dormir por volta das 4h ou 5h da manhã, mas acordou às 9h para ter certeza de que conseguiria abençoar sua Yamaha. Escovou os dentes e estava confiante que os sacerdotes não sentiriam o cheiro de bebida alcoólica na sua respiração.
“Eu usei um bafômetro antes de subir na minha moto”, ela contou. “Era perto, mas eu fiz isso”.
*Por Scott Sayare
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