Estado de Minas
As despesas com acidentados em Minas saltaram de R$ 8,5 milhões no primeiro semestre de 2008 para R$ 16,6 milhões nos seis primeiros meses deste ano
Enquanto se esforça para voltar a caminhar sem a ajuda de um andador, a auxiliar de produção Elizabeth Silva de Farias, de 46 anos, já contabilizou, em um ano, cinco meses e 18 dias, duas cirurgias ortopédicas, uma cirurgia plástica, quatro meses ininterruptos de internação, fisioterapia e medicação para infecções. Sua vida mudou quando ela e o marido, que estavam numa moto, foram atingidos por um carro na estrada de Dom Silvério, cidade onde moram, na Zona da Mata. Os dois lutam para se recuperar de fraturas graves, no Hospital Maria Amélia Lins, em BH. Mensalmente, viajam à capital para tratamento. Todos os custos são bancados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A sina do casal traduz um lado da tragédia que vai além das mortes e da dor. Em plena Semana Nacional do Trânsito, dados do SUS revelam que os acidentes em Minas Gerais quase dobraram os custos para o sistema nos últimos quatro anos.
Os dados levam em conta tudo que é gasto no atendimento, das gazes e esparadrapos às cirurgias de alta complexidade, comparando-se os primeiros semestres de cada ano. O aumento dos gastos nos hospitais e postos de atendimento a acidentados conveniados com o SUS chegou a 95,8% neste ano em comparação com 2008, passando de R$ 8.517.553,27 para R$ 16.679.338,01. É quase o mesmo valor aplicado pelo sistema na Região Sul do país, de R$ 16.909.692,17. No Brasil, o encarecimento foi de 93% dentro do mesmo período, saltando de R$ 57.573.941,42 para R$ 111.179.883,67.
E os recursos chegam a ser ainda maiores do que o emprego meramente medicinal. De acordo com levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), somando-se todos os gastos de estrutura médica, transporte de feridos, remoção de corpos, previdência pública, danos a automóveis e cargas, Minas teve prejuízo de R$ 2,8 bilhões em 2008 com acidentes terrestres. O valor é o mesmo que o governo federal pagará à empreiteira baiana Odebrecht pelas obras nos estádios Itaquerão (SP), Maracanã (RJ), Arena Fonte Nova (BA) e Arena Pernambuco (PE) - um terço dos estádios programados para a Copa de 2014.
Pelos dados do SUS, Minas só perde para São Paulo no volume de recursos empregados para tratar acidentados, em número de internações e mortos. A média de dias em tratamento das pessoas feridas e dos que vem a morrer manteve-se em 6,3 dias nos últimos anos. Mas, enquanto em 2008 houve 6.174 internações, esse número subiu para 8.892, no ano passado, chegando agora a 9.162. As mortes também aumentaram, de 293 há três anos para 338 em 2010 e 347 neste primeiro semestre.
Atendimento de urgência
Para o consultor da Secretaria de Estado de Saúde e presidente do Grupo Brasileiro de Acolhimento com Classificação de Risco (GBACR), Welfane Cordeiro, o encarecimento ocorre pela melhoria gradual do tratamento nos hospitais. ''As condições de tratamento têm melhorado nos hospitais, possibilitando acesso ao tratamento adequado. O que ainda precisa ocorrer é investir nos sistemas de atendimento de urgência, que podem reduzir em até 50% as mortes. Exemplo disso é o João XXIII, que já tem até heliponto para reduzir o tempo de atendimento'', disse.
A violência nas estradas colabora decisivamente com o inchaço do sistema. Das 3.680 mortes no trânsito computadas pela Secretaria de Educação no ano passado, 1.344 (36,5%) ocorreram nas rodovias federais de Minas. O porta-voz da Polícia Rodoviária Federal, inspetor Aristides Amaral Júnior, afirma que o aumento da frota e a imprudência são os ingredientes decisivos para o aumento da violência no trânsito. ''A falha humana continua sendo as principal causa de acidentes. Velocidade incompatível com a via, ultrapassagens indevidas, falta de atenção, principalmente na BR-381, a campeã de mortes'', disse.
Enquanto isso, com dificuldades para trabalhar e sustentar os três filhos, e depois de gastar as economias com a adaptação da casa e outros gastos, a auxiliar de produção Elizabeth Silva de Farias e o marido se preparam para mais uma batalha. Ela tem uma cirurgia na perna direita marcada. A situação dele é ainda mais delicada. Teve o movimento da perna direita comprometido e pode ficar com o braço direito paralisado. ''Sei que nunca mais terei a mesma firmeza nas minhas pernas e tenho dúvidas se vou conseguir trabalhar como antes'', desabafa Farias.
Quem vive um drama também é a dona de casa Andrea Luiza Pereira, de 45 anos. Depois de quase dois meses lutando para recuperar a força do braço direito, ela ainda tem longa batalha pela frente. Vítima de atropelamento na porta de casa, no Barreiro, em BH, ela já passou por três cirurgias e ainda precisa de muitas sessões de fisioterapia. Da tragédia, ficou o trauma de ser pedestre em uma cidade onde quem anda a pé não tem preferência. ''Mudou muita coisa. Fiquei com medo de andar na rua''. E para o futuro, a certeza: ''A gente precisa ter muita atenção e só atravessar na faixa'', alerta.
Análise da notícia
Prevenir e punir
Paulo Nogueira
Prevenção e punição são duas premissas essenciais para combater a carnificina diária nas cidades e nas estradas. Sem educação eficiente, principalmente começando nas escolas, para conscientizar (futuros) motoristas sobre a importância do respeito às leis de trânsito, os acidentes vão continuar em números assustadores. Da mesma forma, é preciso o rigor da lei para punir infratores que insistem em abusar da velocidade, fazer ultrapassagens proibidas, dirigir alcoolizado e/ou inabilitado, entre outras barbaridades. A Justiça ainda é branda com quem causa mortes no trânsito, por exemplo. O resultado está aí: o alto preço pago com dinheiro público e o sofrimento sem fim de milhares de vítimas e familiares.
Fonte: www.perkons.com
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